2 jul 2010

Nº6 de los Navegantes - Ferreira Gullar - Dentro de la Noche Veloz - Edición Especial


Fotografía: Luciano Bomwel

Ferreira Gullar - Dentro da Noite Veloz

DENTRO DA NOITE VELOZ (1975 - Ed. Civilizaçao Brasileira)



Na Quebrada do Yuro
eram 13.30 horas
(em São Paulo
era mais tarde; em Paris anoitecera;
na Ásia o sono era seda)
Na Quebrada
do rio Yuro
a claridade da hora
mostrava seu fundo escuro:
as águas limpas batiam
sem pasado e sem futuro.
Estalo de mato, pio
de ave, brisa
nas folhas
era silêncio o barulho
a paisagem
(que se move)
está imóvel, se move
dentro de si
(igual que uma máquina de lavar
lavando
sob o céu boliviano, a paisagem
com suas polias e correntes
de ar)
Na Quebrada do Yuro
não era hora nenhuma
só pedras plantas e águas


II


Não era hora nenhuma
até que um tiro
explode em pássaros
e animais
até que passos
vozes na água rosto nas folhas
peito ofegando
a clorofila
penetra o sangue humano
e a hitória
se move
a paisagem
como um trem
comença a andar
Na Quebrada do Yuro eram 13.30 horas
III


Ernesto Che Guevara
teu fim está perto
não basta estar certo
pra vencer a batalla

Ernesto Che Guevara
entrega-te á prisâo
não basta ter razão
pra não morrer de bala

Ernesto Che Guevara
não estejas iludido
a bala entra em teu corpo
como em qualquer bandido

Ernesto Che Guevara
por que lutas ainda?
a batalha está finda
antes que o dia acabe

Ernesto Che Guevara
é chegada a tua hora
e o povo ignora
se por ele lutavas



IV


Correm as águas do Yuro, o tiroteio agora
é mais intenso, o inimigo avança
e fecha o cerco.
Os guerrilheiros
em grupos pequeños divididos
agüentam
a luta, protegem a retirada
dos companheiros feridos.
No alto,
grandes massas de nuvens se deslocam lentamente
sobrevoando países
em direção ao Pacifico, de cabeleira azul.
Uma greve em Santiago. Chove
na Jamaica. Em Buenos Aires há sol
nas alamedas arborizadas, um general maquina um golpe.
Uma família festeja bodas de prata num trem que se
aproxima
de Montevideo. Á beira da estrada
muge um boi da Swift. A Bolsa
no Rio fecha em alta
ou baixa.
Inti Peredo, Benigno, Urbano, Eustáquio, Ñato
castigam o avanço
dos
rangers.
Urbano tomba,
Eustáquio,
Che Guevara sustenta
o fogo, uma rajada o atinge, atira ainda, solve-se-lhe
o joelho, no espanto
os companheiros voltam
para apanhá-lo. É tarde. Fogem.
A noite veloz se fecha sobre o rosto dos mortos.
V


Não está morto, só ferido.
Num helicóptero ianque
é levado para Higuera
onde a morte o espera

Não morrerá das feridas
ganhas no combate
mas de mão assassina
que o abate

Não morrerá das feridas
ganhas a céu aberto
mas de un golpe escondido
ao nacer do dia

Assim o levam pra morte
(sujo de terra e de sangue)
subjugado no bojo
de um helicóptero ianque

E o seu último vôo
sobre América Latina
sob o fulgor das estrelas
que nada sabem dos homens

que nada sabem do sonho,
da esperança, da alegria,
da luta surda do homem
pela flor de cada dia

É o seu último vôo
sobre a choupana de homens
que não sabem o que se passa
naquela noite de outubro

quem passa sobre seu teto
dentro dequele barulho
quem é levado pra morte
naquela noite noturna



VI


A noite é mais veloz nos trópicos
(com seus na vertigem das folhas na explosão
monturos) das águas sujas
surdas
nos pantanais
émais veloz sob a pele da treva, na
conspiração da azuis
e vermelhos pulsando
como vaginas frutos bocas
vegetais
(confundidos nos sonhos)
ou
um ramo florido feito um relâmpago
parado sobre uma cisterna d`água
no escuro
É mais funda
a noite no sono
do homen na sua carne
de coca
e de fome
e dentro do pote uma caneca
de lata velha de ervilha
da Armour Company

A noite é mais veloz nos trópicos
com seus monturos
e cassinos de jogo
entre as pernas das putas
o assalto
a mão armada
aberta em sangue a vida
É mais veloz
(e mais demorada)
nos cárceres
a noite latino-americana
entre interrogatórios
e torturas
(lá fora as violetas)
e mais violenta (a noite)
na cona da dictadura

Sob a pele da treva, os frutos
crescem
conspira o açúcar
(de boca para baixo) debaixo
das pedras, debaixo
da palavra escrita no muro
ABAIX
e inacabada
ó Tlalhuicole
as vozes soterradas da platina
Das plumas que ondularam já não resta
mais que a lembrança
no vento
Mas é o dia (com
seus monturos)
pulsando
dentro do chão
como um pulso
apesar da South American Gold and Platinum
é a lingual do dia
no azinhavre

Golpeábamos en tanto los muros de adobe
y era nuestra herencia una red de agujeros

é a língua do homen
sob a noite
no leprosário de San Pablo
nas ruínas de Tiahuanaco
nas galerias de chumbo e silicose
da Cerro da Pasco Corporation

Hemos comido grama salitrosa
piedras de adobe lagartijas ratones
tierra en polvo y gusanos

até que o dia
(de dentro dos monturos) irrompa
con seu bastão de turquesa
VII

Súbito vimos ao mundo
e nos chamamos Ernesto
Súbito vimos ao mundo
e estamos
na América Latina

Mas a vida onde está
nos preguntamos
Nas tavernas?
nas eternas
tardes tardas?
nas favélas
onde a história fede a merda?
no cinema?
na fêmea caverna de sonhos
e de urina?
ou na ingrata
faina do poema?
(a vida
que se esvai
no estuário do Prata)

Serei cantor
Serei poeta
Responde o cobre (da Anacoda Copper):

Serás assaltante
e proxeneta
policial jagunço alcagüeta

Serei pederasta e homicida?
serei viciado?
Responde o ferro (da Bethehem Steel):
Serás ministro de Estado
e suicida

Serei dentista?
talvez quem sabe oftalmologista?
otorrinolaringologista?
Responde a bauxita (da Kaiser Aluminium):
serás médico aborteiro
que dá mais dinheiro

Serei um merda
quero ser um merda
Quero de fato viver.
Mas onde está essa imunda
vida – mesmo imunda?
No hospicio?
num santo
oficio?
no orificio
da bunda?
Devo mudar o mundo,
a República? A vida
terei de plantá-la
como um estandarte
em praça pública?



VIII


A vida muda como a cor dos frutos
lentamente
e para sempre
A vida muda como a flor em fruto
velozmente
A vida muda como a água em folhas
o sonho em luz eléctrica
a rosa desembrulha de carbono
o pássaro da boca
mas
quando for tempo
E é tempo todo tempo
mas
não basta um século para fazer a pétala
que um só minuto faz
ou não
mas
a vida muda
a vida muda o morto em multidão

Ferreira Gullar - Dentro de la Noche Veloz

Dentro de la Noche Veloz (1962 – 1975)


En la Quebrada del Yuro
eran 13:30 horas
(en São Paulo
era más tarde; en París había anochecido;
en Asia el sueño era seda)
En la Quebrada
del Río Yuro
la claridad de la hora
mostraba su fondo oscuro:
las aguas limpias latían
sin pasado y sin futuro.
Crujido del matorral, pío
de ave, brisa
en las hojas
era silencio el ruido
el paisaje
(que se mueve)
está inmóvil, se mueve
dentro de sí
(igual que una máquina de lavar
lavando
bajo el cielo boliviano, el paisaje
con sus poleas y corrientes
de aire)
En la Quebrada del Yuro
no era ninguna hora
sólo piedras plantas y aguas


II


No era ninguna hora
hasta que un disparo
estalla en pájaros
y animales
hasta que unos pasos
voces en el agua rostro en las hojas
pecho jadeante
la clorofila
penetra la sangre humana
y la historia
se mueve
el paisaje
como un tren
comienza a andar
En la Quebrada del Yuro eran 13:30 horas
III

Ernesto Che Guevara
se acerca tu fin
no basta ser justo
para vencer batallas

Ernesto Che Guevara
entrégate a la prisión
no basta tener razón
para no morir de bala

Ernesto Che Guevara
no te hagas ilusiones
la bala entra en tu cuerpo
como en cualquier bandido

Ernesto Che Guevara
¿Por qué luchas todavía?
la batalla está acabada
antes de acabar el día

Ernesto Che Guevara
ha llegado tu hora
y el pueblo ignora
si por él luchabas



IV

Corren las aguas del Yuro, el tiroteo ahora
es más intenso, el enemigo avanza
y cierra el cerco.
Los guerrilleros
en pequeños grupos divididos
aguantan
la lucha, protegen la retirada
de los compañeros heridos.
En lo alto
grandes masas de nubes se dislocan lentamente
sobrevolando países
en dirección al Pacífico, de cabellera azul.
Una huelga en Santiago. Llueve
en Jamaica. En Buenos Aires hay sol
en las alamedas arboladas, un general maquina un golpe.
Una familia festeja bodas de plata en un tren que se acerca
a Montevideo. Al borde de la carretera
muge un buey de la Swift. La Bolsa
de Río cierra en alta
o baja.
Inti Peredo, Benigno, Urbano, Eustaquio, Ñato
castigan el avance
de los
rangers.
Urbano cae,
Eustaquio,
Che Guevara sustenta
el fuego, lo alcanza una ráfaga, dispara todavía, se le disuelve
la rodilla, en el espanto
los compañeros, vuelven
para recogerlo. Es tarde. Huyen.
La noche veloz se cierra sobre el rostro de los muertos.
v


No está muerto, sólo herido.
Un helicóptero yanqui
lo lleva para La Higuera
donde la muerte lo espera

No morirá por heridas
obtenidas en combate
sino de mano asesina
que lo abate

No morirá por heridas
que recibió a cielo abierto
sino de un golpe escondido
al nacer el día

Lo llevan así a la muerte
(sucio de tierra y de sangre)
sometido en la barriga
de un helicóptero yanqui

Ese es su último vuelo
sobre América Latina
bajo el fulgor de los astros
que ignoran el mundo humano

que ignoran todo del sueño
de esperanza, de alegría,
la lucha sorda del hombre
por la flor de cada día

Ese es su último vuelo
sobre las chozas de hombres
que no saben lo que pasa
aquella noche de octubre

Quién pasa sobre su techo
dentro de todo el barullo
quién es llevado a la muerte
en esa noche nocturna



VI

La noche es más veloz en los trópicos
(con sus
muladares)
en el vértigo de las hojas en explosión
de aguas sucias
sordas
en los pantanales
es más veloz bajo la piel de tiniebla, en la
conspiración de azules
y rojos pulsando
como vaginas frutos bocas
vegetales
(confundidos en sueños)
o
un ramo florido hecho un relámpago
parado sobre una cisterna de agua
en lo oscuro
Es más honda
la noche en el sueño
del hombre en su carne
de coca
de hambre
y en el tarro un cuenco
de lata roja de arvejas
de la Armour Company

La noche es más veloz en los trópicos
con sus muladares
y casinos de juegos
entre las piernas de las putas
el asalto
a mano armada
abierta en sangre y vida
Es más veloz
(y más lenta)
en las cárceles
la noche latinoamericana
entre interrogatorios
y torturas
(allá afuera las violetas)
y más violenta (la noche)
en el coño de la dictadura

Bajo la piel de tiniebla, los frutos
crecen
conspira el azúcar
(de boca para abajo) debajo
de piedras, debajo
de la palabra escrita en el muro
ABAJ
e inconclusa
oh Tlalhuicole
las voces soterradas de la platina
De las plumas que ondularon ya no resta
más que el recuerdo
en el viento
Pero es el día (con
sus muladares)
pulsando
dentro del suelo
como un pulso
a pesar de la South American Gold and Platinum
es la lengua del día
en el cardenillo

Golpeábamos en tanto los muros de adobe
y era nuestra herencia una red de agujeros

es la lengua del hombre
bajo la noche
en la leprosería de San Pablo
en las ruinas de Tihuanaco
en las galerías de plomo y silicosis
de la Cerro de Pasco Corporation

Hemos comido grama salitrosa
piedras de adobe lagartijas ratones
tierra en polvo y gusanos

hasta que el día
(desde dentro de los muladares) irrumpa
con su cetro de turquesa
VII


Venimos de súbito al mundo
y nos llamamos Ernesto
Venimos de súbito al mundo
y estamos
en América Latina
Mas la vida dónde está
nos preguntamos
¿En las tabernas?
¿en las eternas
tardes tardas?
¿en las favelas
donde la historia hiede a mierda?
¿en el cine?
¿en la hembra caverna de sueños
y de orina?
¿o en la ingrata
faena del poema?
(la vida
que se escurre
en el estuario del Plata)

¿Seré cantor?
¿seré poeta?
Responde el cobre (de la Anaconda Copper)
Serás asaltante
y proxeneta
policía bandido alcahuete

¿Seré pederasta y homicida?
¿seré viciado?
Responde el hierro (de la Bethlehem Steel):
Serás ministro de estado
y suicida
¿Seré dentista?
¿Tal vez por qué no oftalmólogo?
¿otorrinolaringólogo?
Contesta la bauxita (de la Kaiser Aluminium):
serás médico abortero
que da más dinero

Seré un mierda
quiero ser un mierda
Quiero vivir de hecho
¿Pero dónde está esa inmunda
vida aunque sea inmunda?
¿En el hospicio?
¿en un santo
oficio?
¿en el orificio
del culo?
¿Debo cambiar el mundo,
la República? La vida
¿tendré que plantarla
en plaza pública?



VIII


La vida cambia como el color de los frutos
lentamente
y para siempre
La vida cambia como la flor por fruto
velozmente
La vida cambia como el agua por hojas
el sueño por luz eléctrica
la rosa se desprende del carbono
el pájaro de la boca
pero
cuando sea tiempo
Y todo el tiempo es tiempo
pero
no basta un siglo para hacer un pétalo
que un solo minuto hace
o no
pero
la vida cambia
la vida cambia al muerto por multitud


Traducción: Alfredo Fressia
De: Animal Transparente - (2009 – La Cabra Ediciones)