3 dic 2011

RONALDO CAGIANO de "O SOL NAS FERIDAS"

SAAVEDRA, 2111

Na praça invadida pelas brumas de junho
os pássaros buscam na ínfima luz do sol
notícias de um mundo distante.

Enquanto homens solitários
e jovens conduzindo cachorros
emolduram as ruas com um balé de patas
aguardo o poeta
que trará o canto agudo
e na lâmina do verso
explicará a vida.

Em direção a Rafael Calzada
percorri a solidão ferroviária
num trem que penetrava os subúrbios
como um cometa povoado de rostos.

No caminho, meus olhos visitavam
casas geminadas e quintais lindeiros
e nascia uma história fértil
de pomares viçosos
galpões desérticos
e esqueletos de fábricas.

Numa retaguarda de acenos
a estación Constitución
haveria de ensinar outras
lições de partida,

mas quando desci em Adrogué
o amigo me esperava como a uma notícia

e meus braços saudaram a cidade
como a estátua do Redentor à Baía de Guanabara.

No jardim de Nídia Santa Cruz
(ventre semeado de futuros)

a terra anunciava um roseiral
tão belo quanto os girassóis de Van Gogh.

De: “O SOL NAS FERIDAS”, Dobra Literatura, São Paulo, 2011.

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